O Tribunal de Guimarães adiou esta quarta-feira a leitura do acórdão do processo com um padre e três responsáveis de uma “associação de fiéis” de Requião, em Vila Nova de Famalicão, distrito de Braga, acusados de escravizarem jovens raparigas.
Antes da leitura da decisão, agendada para a manhã desta quarta-feira, a juíza presidente comunicou a alteração não substancial de factos e, como a defesa dos arguidos não prescindiu de prazo para se pronunciar, o tribunal deu dois dias para que apresente contestação e agendou nova sessão para um de julho.
Em aberto ficou a possibilidade de, nesse dia, haver leitura do acórdão ou, eventualmente, a reabertura do julgamento para produção de prova.
Uma das alterações comunicadas pela presidente do coletivo de juízes, Paula Sá, prende-se com o “aditamento” de atos praticados pelos arguidos, que constam da acusação do Ministério Público (MP).
A acusação do MP conta que os quatro arguidos – o padre fundador e três religiosas – angariavam jovens para executarem as tarefas diárias na conservação e manutenção das instalações, e continuação da atividade da ‘Fraternidade Missionária de Cristo Jovem’, “sem qualquer contrapartida e mediante a implementação de um clima de terror”.
“Os arguidos tinham como alvo jovens de raízes humildes, com poucas qualificações ou emocionalmente fragilizadas e com pretensões a integrarem uma comunidade espiritual de raiz católica, piedosas e tementes a Deus”, sustenta o MP.
Em causa está o Centro Social de Apoio e Orientação da Juventude, uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) sob a forma de Instituto de Organização Religiosa, criada por iniciativa da Pia União das Irmãs Missionárias de Cristo Jovem, denominada “Fraternidade Missionária de Cristo Jovem”, também arguida no processo e instalada num convento em Requião, Vila Nova de Famalicão.
O MP refere que os arguidos diziam às jovens que “tinham sido escolhidas por Deus, convencendo-as de que deviam escolher a vida religiosa”, e que, caso negassem as suas vocações, teriam castigos “divinos”, problemas familiares e mortes na família.
A acusação indica que os arguidos sujeitaram as jovens, diariamente, a várias agressões físicas, injúrias, pressões psicológicas, tratamentos humilhantes, castigos e trabalhos pesados.
Escassez de alimentação, negação de cuidados médicos e medicamentosos e restrição da liberdade são outros dos factos imputados aos arguidos.
A acusação fala em bofetadas, murros, pontapés, puxões de cabelo, pancadas com enxadas, ancinho, ferros, mangueira, paus, vassouras, chinelos, sapatos e com um chicote com corda.
Por vezes, as jovens seriam obrigadas a agredirem-se mutuamente com o chicote.
As jovens teriam ainda castigos como proibição de tomarem o pequeno-almoço, de tomarem banho durante vários dias e até semanas, de beberem água durante todo o dia no verão quanto estavam a trabalhar ao sol durante várias horas e de usarem roupa interior durante vários dias ou semanas.
Cada arguido responde por nove crimes de escravidão.
A acusação sublinha que as arguidas, apesar de se apelidarem como “irmãs”, na realidade não são freiras, pois não têm votos, tal como exigido pela Igreja Católica.