Uma juíza de instrução criminal do Tribunal de Braga manifestou “perplexidade” por a Câmara de Barcelos ter pagado, durante “anos a fio”, mais de 3.000 euros por mês pelos serviços de um porteiro contratados por ajustes diretos.
A perplexidade está expressa na decisão instrutória, em que a juíza decide levar a julgamento os arguidos, entre os quais o ex-presidente da Câmara de Barcelos Miguel Costa Gomes, acusados de prevaricação e abuso de poder, por alegados ajustes diretos à margem da lei para serviços de vigilância e segurança privada.
“Fica-nos uma perplexidade final que o silêncio dos arguidos até agora não dilucidou: que serviços de apoio às instalações da Escola de Tecnologia e Gestão, desempenhados pelo porteiro Pedro Manuel da Costa Cardoso, valem o pagamento mensal de 3.100, 3.358 ou até 3.604 euros, e com dinheiro público, à G-Protect contratada por ajuste direto, anos a fio, entre 2010 e 2017?”, interroga a juíza.
Pergunta ainda se um funcionário camarário não poderia assegurar aqueles serviços “por uma retribuição muito menor”.
No despacho, datado de 04 de abril, a juíza considera haver “indícios suficientes” de se terem verificado os factos de que os arguidos são acusados, decidindo assim levá-los a julgamento.
No processo, são também arguidos os vereadores Armandina Saleiro, Alexandre Maciel e Domingos Pereira, que integravam a bancada socialista no executivo de Cista Gomes.
No total, o processo tem 13 arguidos, sendo os restantes técnicos do município e responsáveis da empresa em questão.
Em causa estão ajustes diretos para vigilância e segurança feitos, desde 2010, pela Câmara de Barcelos e por duas empresas municipais, alegadamente violando as limitações legais impostas àquele tipo de procedimento.
A acusação refere que foi elaborado “um plano”, conhecido e executado por todos os arguidos, para “fintar” as limitações legais dos ajustes diretos e adjudicar os serviços de vigilância e segurança privada a um dos arguidos ou a outra entidade que ela viesse a indicar.
Esse arguido ia indicando entidades formalmente diferentes, com designação e número fiscal diversos, para “criar a aparência” de que o município estaria a contratar entidades diferentes e, assim, a respeitar as normas dos ajustes diretos
A acusação diz que, com esta atuação, o arguido contemplado com os ajustes diretos conseguiu integrar no seu património cerca 450 mil euros, valor que o MP pede que os arguidos sejam condenados, solidariamente, a pagar ao Estado.
No pedido de abertura de instrução, Costa Gomes alegou que não interveio na abertura dos ajustes diretos nem nos cadernos de encargos e que não escolheu os adjudicatários nem assinou os respetivos contratos, tendo apenas submetido “pontualmente” ao executivo propostas de adjudicação.
No entanto, a juíza de instrução considera haver indícios de que o antigo autarca decidiu a abertura dos procedimentos e os “influenciou”, tendo “orquestrado” os restantes arguidos para que fosse dada “preferência sistemática” a um “amigo pessoal” de Costa Gomes ou a outra entidade que ele viesse a indicar.