Mário Durval, 71 anos, e Madalena Mourão, 68 anos, são dois dos médicos aposentados que nunca quiseram abandonar o Serviço Nacional de Saúde (SNS), especialmente durante a pandemia de Covid-19.
Apesar das décadas de serviço ao SNS, os dois profissionais não hesitaram, perante a pandemia, em exercer a sua atividade, participando no funcionamento das unidades de saúde em que trabalham.
Depois de 44 anos de carreira, Mário Durval decidiu reformar-se sem nunca deixar de trabalhar, mantendo funções enquanto Delegado de Saúde e, agora, na Unidade Saúde Pública (USP) Arnaldo Sampaio, no Barreiro, como médico desta especialidade.
“Terminei [a 31 de agosto] a Comissão de Serviço [como delegado de saúde], mas como estamos em período de pandemia havia a necessidade de continuar porque há falta de profissionais”, explicou Mário.
Madalena Mourão, com mais de quatro décadas de serviço, também escolheu continuar no SNS após a reforma, que ocorreu em 2014, sublinhando: “nem toda a gente tem este amor à arte”.
A médica de medicina geral e familiar congelou a pensão e mantém até hoje funções na UCSP (Unidade de Cuidados de Saúde Personalizados) Alameda.
Quanto ao facto de estarem mais expostos ao novo coronavírus devido à permanência em Unidades de Saúde, Mário conta que apesar de a sua idade o colocar num grupo considerado de risco não pesou na sua decisão.
“Não hesitei nada [em continuar] porque o risco zero é impossível e, como profissional de saúde, devo saber defender-me”, esclarece.
O mesmo pensamento é partilhado por Madalena, que diz não se ter sentido afetada pela sua condição.
No entanto, a médica aponta que se notava “o medo da suscetibilidade à doença e a apreensão de passar o vírus aos familiares” em alguns dos seus colegas, incluindo aposentados.
Outro fator que ambos os médicos tiveram em conta ao optar pela continuidade no exercício da profissão foi a recetividade das suas famílias, que a encararam com normalidade.
“[Os meus familiares] reagiram bem. Se eu não estivesse aqui estaria envolvido noutra atividade qualquer. Eles já sabem que eu não vou para casa calçar as pantufas”, elucida a médica.
Da mesma forma, Madalena diz que a sua família não estranhou a decisão por sempre ter trabalhado muito, “dedicada ao serviço público”.
Porém, o convívio a que estavam habituados sofreu alterações radicais para impedir a transmissão da Covid-19.
“Passámos a ter um cuidado redobrado e deixei de almoçar com a minha filha ao domingo. Por ter uma família alargada, costumamos estar sessenta em minha casa no Natal e, este ano, isso não vai acontecer”, lamenta.
Estes dois profissionais não reduziram a sua carga horária, o que os faz ter um regime completo, com 42 horas semanais no caso de Madalena e 35 no de Mário.
A situação pandémica que o país atravessa veio alterar as funções de ambos os médicos, bem como o seu volume de trabalho.
“Os agrupamentos dos sistemas de saúde tiveram de se organizar. Antes o médico tinha o seu horário fixo, os seus utentes, as suas crianças e grávidas, hipertensos e diabéticos, e as suas consultas todas programadas”, revelou Madalena.
A Covid-19 introduziu novas dinâmicas e modos de funcionamento, tais como a triagem à entrada dos serviços de saúde, as consultas maioritariamente por telefone e e-mail, para além da vigilância a doentes infetados.
Mário Durval afirma que na sua USP também tiveram de existir adaptações, lembrando que “este tem de ser um combate por parte de toda a gente.”
Os dias nem sempre são suficientes para o trabalho que estes profissionais têm que realizar, pelo que existe a necessidade de o concluírem em casa ou durante o fim de semana.
“Com os recursos que temos, embora fazendo das tripas coração, temos conseguido gerir bem a situação aqui”, reforçou o médico.
Contudo, Madalena Mourão alerta para o desgaste destes profissionais, que classifica como “muito grande”, especialmente durante a 2.ª vaga da pandemia.
“Aguentámos muito bem os primeiros sete meses, com uma disponibilidade extraordinária. Houve médicos que nunca pararam, sem férias. Agora que acabou o teletrabalho, o desgaste é maior e os profissionais estão exaustos”, sublinha.
Relativamente ao enquadramento legal, a contratação destes profissionais foi feita ao abrigo do decreto-lei n.º 89/2010, o qual veio estabelecer um regime excecional que permite, enquanto não for possível suprir a carência por médicos recém-especialistas, o exercício de funções públicas ou a prestação de trabalho remunerado por médicos aposentados em serviços e estabelecimentos do SNS, independentemente da sua natureza jurídica.
Madalena mostra-se a favor desta medida, sublinhando que, “neste momento, continua a ser extremamente necessária porque não há médicos novos para compensar os que se aposentaram e os que continuam a sair do SNS para o privado”.
No campo da saúde pública, Mário Durval reforça que “os recursos que faltam não se conseguem contratar porque não se fabricam médicos desta especialidade. Este é um problema que dura há décadas”.
O Presidente da República promulgou, em agosto, a prorrogação deste regime excecional de contratação até 31 de dezembro de 2021.
Cento e trinta médicos aposentados foram contratados para o SNS entre março e outubro deste ano, por um período inicial de quatro meses, segundo dados fornecidos pelo Sindicato Independente dos Médicos (SIM).