Portugal está a viver a segunda onda de calor do ano mas poderá vir a ter em meio século oito a dez em cada ano, alerta o professor e investigador Pedro Matos Soares.
Atualmente o continente tem já o dobro das ondas de calor em relação ao século passado, explica em entrevista à agência Lusa o especialista, investigador principal do Instituto Dom Luis, professor no Departamento de Engenharia Geográfica, Geofísica e Energia (ambos da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
Doutorado em Física da Atmosfera, o especialista trabalha há vários anos na modelização climática regional, alterações climáticas, eventos extremos e interações terra-atmosfera-oceano.
Citando números do “clima histórico” de Portugal, de 1971 a 2000, afirma: “Tínhamos uma a duas ondas de calor em Portugal. E agora já, neste clima que estamos a entrar, estamos a falar de entre duas e três no litoral, ou três no interior”. “Em maio tivemos uma onda de calor, já vamos na segunda”.
Na entrevista à Lusa Pedro Matos Soares explica o que levou à onda de calor que Portugal continental está a atravessar, diz que é um fenómeno meteorológico natural e que pode nem estar relacionado com as alterações climáticas. Mas garante que elas aumentam exponencialmente a probabilidade de acontecerem vagas de calor.
A atual vaga de calor, explica, resulta de o anticiclone dos Açores, normalmente centrado na região do arquipélago, se ter estendido e abarcado, desde a semana passada, a Península Ibérica. O sistema de altas pressões tem associado ventos no sentido horário, pelo que o ar vai aquecendo ao passar pela Península exposta ao sol e provoca o aumento da temperatura.
Na segunda-feira formou-se uma depressão (baixa pressão) a sudoeste da Península Ibérica. Pela posição, e porque promove o escoamento do ar no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio, está a transportar para Portugal ar de África.
São fenómenos naturais e até frequentes, diz. Mas acrescenta: “O que não há duvida é que temos, ano após ano, batido o recorde de temperatura global continental, estamos a ter um dos anos hidrológicos mais secos de sempre, tivemos o maio mais quente de sempre em Portugal, quer dizer que a probabilidade de termos esta onda de calor é muitíssimo maior com alterações climáticas do que sem as alterações climáticas, isso é uma realidade”.
Pedro Matos Soares trabalha no desenvolvimento de modelos climáticos, que permitem estudar o clima presente e o futuro, sendo essa modelação climática global e regional importante para perceber como vai o clima evoluir, seja do ponto de vista médio seja nos extremos climáticos.
“Se observarmos as projeções para as ondas de calor em Portugal “projetamos para os últimos 30 anos do século, de acordo com o cenário mais gravoso, termos cerca de 08 a 10 ondas de calor por ano”, diz.
“Estamos a falar de 10 vezes mais do que temos em clima histórico”, salienta, explicando no entanto que esse é um cenário mais gravoso e que se os objetivos de redução dos gases com efeito de estufa preconizados no Acordo de Paris forem cumpridos o cenário é de um aumento de duas ondas de calor perto do final do século.
Para já há um dado que o especialista confirma, “dados robustos” com base nos modelos e nas observações: o clima de hoje já é diferente do clima de até ao final do século XX.
Dados da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) indicam que dos 30 anos mais quentes em Portugal continental entre 1931 a 2020, 21 ocorreram depois de 1990 e 13 depois de 2000. E que os quatro anos mais secos desde 1931 ocorreram todos depois de 2003.