O arcebispo de Braga admitiu hoje que, perante indícios ou provas de abusos sexuais de menores na Igreja, houve desvalorização, encobrimentos ou silenciamentos, além de “ingénuas reparações privadas, na ilusão de compensar o dano sofrido pelas vítimas”.
Em “Carta ao Povo de Deus” publicada na página da arquidiocese, e também assinada pelos seus dois bispos auxiliares, José Cordeiro acrescenta que “os abusos sexuais “não foram tratados como prioridade, arrastando consigo erros, omissões e negligência”.
Além disso, reconhece que, nos últimos dias, “houve mensagens confusas e contraditórias e equívocos de comunicação sobre o modo de agir da Igreja perante aquele “flagelo hediondo”.
“Por tudo isso, pedimos perdão”, escreve José Cordeiro.
Para o arcebispo de Braga, é impossível “imaginar pior tragédia do que viver situações dramáticas e traumáticas na mais completa solidão, temendo a insuportável repetição dos infames acontecimentos, pois grande parte das vítimas sofre abusos continuados dos abusadores”.
“Nunca seremos capazes de saber o que é ser criança ou adolescente e estar à mercê de pessoas que usam o seu estatuto, o seu poder, as suas falas mansas, supostamente bondosas e porventura encantatórias, para atrair vítimas e as molestar. Arrepia pensar nisto, mas é uma realidade tão incontornável que temos de nos focar sobre ela para que não se repita. Na Igreja e suas instituições, não podemos tolerar uma espécie de conspiração silenciosa, pois o silêncio, nestes casos, mata emocionalmente, tanto como os crimes dos próprios culpados”, lê-se na carta.
Afirmando que “não basta pedir perdão às vítimas”, José Cordeiro adianta que será disponibilizado um serviço de acompanhamento psiquiátrico e psicoterapêutico, bem como de acompanhamento espiritual e de reconciliação para as pessoas que o desejarem, através da criação de uma “bolsa de técnicos” e de acompanhantes espirituais.
Recorda ainda que a Comissão de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis da Arquidiocese de Braga (CPMAVAB) está disponível para acolher e acompanhar todos os que possam ter sido vítimas de qualquer espécie de abuso em alguma paróquia ou instituição da Igreja.
Aquela comissão, desde a sua criação em 22 de outubro de 2019, já escutou 28 pessoas que quiseram dar o seu testemunho.
A Arquidiocese de Braga vai também elaborar um “Diretório para um Ambiente Seguro” com as boas práticas éticas e profissionais dirigidas a todos os que trabalham nas instituições da igreja.
“Serão implementados programas de formação permanente, que inculquem formas respeitosas de relacionamento com os outros, capacitem para a identificação precoce de possíveis casos de abuso e para a elaboração de mapas de risco, definindo também procedimentos claros de resposta a eventuais denúncias de quaisquer tipos de abuso no seio das comunidades e instituições da arquidiocese”, acrescenta a carta.
José Cordeiro diz ainda que “é importante abrir caminhos de reconciliação e de acompanhamento terapêutico para os abusadores”.
“A igreja, ao afastar preventivamente da atividade pastoral um clérigo acusado ou condenado por abusos sexuais de menores, não o pode abandonar, porque a redenção é sempre possível”, sublinha.
Lembra que o princípio jurídico da presunção de inocência até prova contrária é “irrenunciável” e que em todas as investigações que antecedem o processo canónico “deve garantir-se ao denunciado a proteção da sua boa fama”.
O alegado agressor tem direito a defender-se das acusações que lhe são imputadas num processo justo (…). Como discípulos de Cristo, acreditamos que uma pessoa se pode abrir à graça do perdão e deixar-se transformar, mudando de vida e de atividade, deixando-se ajudar e acompanhar, porque apesar de ninguém estar irremediavelmente perdido, ninguém se salva sozinho”, defende.
O relatório da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica em Portugal contém oito nomes de alegados abusadores na Arquidiocese de Braga.
Um deles foi afastado preventivamente e um outro já o tinha sido em julho de 2022.
Em relação a outros três nomes que constam do relatório, a Arquidiocese de Braga diz que correspondem a sacerdotes já falecidos.
Um outro nome “não corresponde a nenhum sacerdote da Arquidiocese de Braga, nem se encontra nos arquivos da Arquidiocese qualquer referência a seu respeito”, pelo que a “investigação será aprofundada, tendo sido pedida mais informação à Comissão Independente”.
Há ainda um outro nome que diz respeito a um sacerdote que foi alvo de um processo civil, tendo sido absolvido.
Um último nome corresponde a um agente pastoral, “que por falta de elementos não foi ainda possível identificar, estando em curso diligências nesse sentido”.