Numa medida “contra” a sua “convicção natural”, mas “essencial” num momento “horribilis” do Serviço Nacional de Saúde (SNS), o diretor de serviço de medicina intensiva do Hospital de São João, Porto, defendeu hoje o encerramento das escolas.
“A situação atual é tão preocupante que, nesta altura, advogo o encerramento das escolas na totalidade. Isto é algo completamente contra o meu coração. Defendo isso porque estamos numa situação hipergrave. É preferível meter as medidas todas ao mesmo tempo, simbolizando à população a gravidade do momento, e depois ir aliviando de forma incremental”, disse José Artur Paiva, em entrevista à agência Lusa.
No dia em que Portugal regista novos máximos diários quer de mortalidade, quer de casos, desde o início da pandemia da covid-19, o médico que é também presidente do Colégio de Medicina Intensiva da Ordem dos Médicos, defende um modelo de escolas abertas “apenas” para “resposta aos pais que tenham profissões de elevada necessidade”, algo semelhante ao que outros países já implementaram, como a Inglaterra por exemplo.
“Eu tenho uma posição de base que é: escolas de 1.º e 2.º ciclo devem ser mantidas [presencial]. Já o contrário, para os 13/14 anos, não vejo essa necessidade imediata, mas o momento é grave (…). E temos agora a nova variante [do vírus] que parece ter maior transmissibilidade entre os mais novos do que a variante mais comum”, reforçou José Artur Paiva.
Critico da ideia de que o confinamento destrói a economia por apontar que “é o mau desconfinamento que leva ao ‘lockdown’”, o diretor de uma unidade de cuidados intensivos que atualmente está com uma taxa de ocupação a rondar os 90%, apontou que “já se perderam alguns dias preciosos”, mas sublinhou a necessidade de olhar para o futuro, num momento que antevê “o mês horribilis do SNS”.
“Esperava que a sociedade até percebesse que tem de confinar, antes do Governo decretar o confinamento porque perdemos alguns dias preciosos (…). Se formos eficazes a fazer este confinamento – e o povo português já provou que é eficaz – creio que vamos demorar um mês e meio ou dois meses a voltar aos níveis de antes de Natal e antes de Natal não era um nível baixo”, analisou.
José Artur Paiva defendeu que, com o atual crescimento de mortalidade e a previsão de que cada dia em que são registados 10.000 novos casos, corresponde 150 novos casos a admitir em medicina intensiva sete a dez dias depois, “aumentar medidas de confinamento é evidente”.
“Ser precoce é mais importante do que ser perfeito”, referiu.
Para o médico, “as medidas do lado da resposta máxima têm de ser tomadas, isso enquanto as medidas do lado da procura demoram a ser eficazes”, numa “narrativa”, a da pandemia do novo coronavírus, que “é agora um bocadinho mais consequente porque existe o eixo vacinação”.
“Isto quer dizer que vale a pena sacrificarmo-nos agora porque temos uma saída, temos um plano que nos conduz ao fundo do túnel. Não podemos é pensar que por termos o plano, podemos facilitar. Só podemos apagar os faróis ao fim do túnel”, frisou o especialista.
Defensor de “uma boa comunicação e mensagens não contraditórias”, José Artur Paiva instou os líderes a sensibilizarem os cidadãos com mensagem de que “a resposta à pandemia é a montante”, ou seja “no comportamento”.
“Precisamos rapidamente de usar máscara, diminuir os contactos interpessoais, recolhermo-nos à nossa bolha íntima, encerrar lojas, diminuir circulação e, infelizmente e contra a minha posição natural, encerrar escolas de forma transitória”, reforçou, colocando o tema das escolas no mesmo patamar do da discussão à volta das eleições presidenciais por ambos serem “muito importantes do pondo de vista civilizacional”.
“A democracia e o seu exercício, a semiologia fundamental da democracia é escolher quem nos lidera, não pode ser interrompida. A pergunta que eu faço é: como é que podemos fazer eleições da maneira menos arriscada possível. Já foram tomadas nos últimos dias medidas que vão nesse sentido”, analisou.
A “importância de que o Estado crie uma mantra de medidas de proteção social que permita que toda a gente que quer confinar, possa confinar”, de forma a que “não existam razões socioeconómicas para não aderir ao confinamento” foi outro dos alertas do presidente do Colégio de Medicina Intensiva da Ordem dos Médicos em entrevista à Lusa.
“Precisamos da intervenção do Governo para que quem quer ter um comportamento exemplar de cidadão adequado neste momento, o possa fazer numa tranquilidade pessoal e familiar”, concluiu.
Atualmente o Hospital de São João acolhe 120 doentes covid-19, dos quais 42 estão em cuidados intensivos.
A pandemia de covid-19 provocou pelo menos 1.963.557 mortos resultantes de mais de 91,5 milhões de casos de infeção em todo o mundo, enquanto em Portugal, morreram 8.236 pessoas dos 507.108 casos de infeção confirmados.
A doença é transmitida por um novo coronavírus detetado no final de dezembro de 2019, em Wuhan, uma cidade do centro da China.