O Tribunal de Guimarães começa a julgar, na quarta-feira, um padre e outras três responsáveis de uma “associação de fiéis” de Requião, em Vila Nova de Famalicão, todos acusados de escravizarem jovens raparigas.
Segundo a acusação, os arguidos resolveram angariar jovens para exercer todas as tarefas diárias exigidas para a conservação e manutenção das instalações da instituição e continuação da sua atividade, “sem qualquer contrapartida e mediante a implementação de um clima de terror”.
Para o efeito, acrescenta a acusação, coartaram-lhes qualquer capacidade de reação, utilizando-as como mera força de trabalho.
“Os arguidos tinham como alvo jovens de raízes humildes, com poucas qualificações ou emocionalmente fragilizadas e com pretensões a integrarem uma comunidade espiritual de raiz católica, piedosas e tementes a Deus”, refere ainda a acusação.
Em causa está o Centro Social de Apoio e Orientação da Juventude, uma instituição particular de solidariedade social (IPSS) sob a forma de Instituto de Organização Religiosa criada por iniciativa da Pia União das Irmãs Missionárias de Cristo Jovem, denominada “Fraternidade Missionária de Cristo Jovem”.
A IPSS, segundo os seus estatutos, tem como principal objetivo o apoio a adolescentes e jovens, apoio às famílias, apoio à integração social e comunitária e a educação e formação profissional dos cidadãos, com espírito cristão.
Ainda segundo a acusação, os arguidos diziam às jovens que “tinham sido escolhidas por Deus, convencendo-as de que deviam escolher a vida religiosa”, e que, caso negassem as suas vocações, teriam castigos “divinos”, problemas familiares e mortes na família.
A acusação diz que, “pelo menos” de 05 de dezembro de 1985 até ao início de 2015, os arguidos sujeitaram as jovens, diariamente, a várias agressões físicas, injúrias, pressões psicológicas, tratamentos humilhantes, castigos e trabalhos pesados.
Escassez de alimentação, negação de cuidados médicos e medicamentosos e restrição da liberdade são outros dos factos imputados aos arguidos.
A acusação fala em bofetadas, murros, pontapés, puxões de cabelo, pancadas com enxadas, ancinho, ferros, mangueira, paus, vassouras, chinelos, sapatos e com um chicote com corda.
Por vezes, as jovens seriam obrigadas a agredirem-se mutuamente com o chicote.
As jovens teriam ainda castigos como proibição de tomarem o pequeno-almoço, de tomarem banho durante vários dias e até semanas, de beberem água durante todo o dia no verão quanto estavam a trabalhar ao sol durante várias horas e de usarem roupa interior durante vários dias ou semanas.
Uma das jovens, numa altura em que estava doente, “teve direito” a um almoço composto por excrementos de cão, que uma das arguidas atirou para cima da cama e lhe esfregou na cara, mandou-a ir lavar-se “pois estava com o diabo”.
As jovens eram ainda obrigadas a ficarem nuas em frente umas das outras na capela da clausura ou no jardim da instituição, a dormirem no chão durante várias noites na companhia de um cão, a autoflagelarem-se com um chicote.
Rezarem o terço às 03:00 da madrugada no interior do quarto de banho de joelhos e ao frio era outra das obrigações.
Paralelamente, seriam alvo de todo o tipo de insultos e agressões verbais.
Os arguidos chegariam a impor às jovens jornadas diárias de trabalho que chegavam a atingir as 20 horas e eu compreendiam a limpeza das instalações e de toda área envolvente, composta por bouças e um jardim.
Cada um dos arguidos está acusado de nove crimes de escravidão.
A IPSS também é arguida no processo, pelos menos crimes.
O crime de escravidão é punível com uma pena de 5 a 15 anos de prisão.
O padre arguido tem 89 anos.
A acusação sublinha que as arguidas, apesar de se apelidarem como “irmãs”, na realidade não são freiras, pois não têm votos tal como exigido pela Igreja Católica.