É-nos muito custoso falar de alegria ou de esperança quando a experiência que nos cabe viver é de dor, de sofrimento, de incompreensão.
Nada parece ter a força para nos alavancar desse lugar, tantas vezes de desespero. Até a Páscoa parece estar a perder a sua força redentora, criativa, festiva e renovadora.
São incontornáveis as experiências de dor pelas quais a Igreja está a passar. Se é verdade que as alegrias e as esperanças de uns são de todos, também é ainda mais verdade que as dores e os sofrimentos de outros são de todos.
Não temos como fugir à dor nem ao sofrimento de todos os que sofreram e sofrem com os abusos de poder, de consciência e sexuais por parte de alguns membros da Igreja, sejam eles clérigos ou não. Mas também não temos como fugir a uma sociedade que tanto é, com justiça, crítica de todos estes abusos e, ao mesmo tempo, não tem o mesmo olhar crítico nem a mesma justiça para com esta nossa sociedade tão fecunda em abusos, quaisquer que sejam esses abusos. A Igreja não está fora da sociedade como um elemento externo. Ela faz parte do tecido humano da sociedade. São incompreensíveis os aumentos de violência no namoro, na vida doméstica, na terceira idade… Como é possível que, numa sociedade, que se pretende cada vez mais humanizada e humanizante, os níveis de abuso de poder estejam a crescer?
Não temos feito tudo nem estamos a fazer tudo para que os mais vulneráveis sejam protegidos de toda a espécie de violência e abuso.
Como estamos a educar? Quais são as grandes linhas mestras da educação na família? Que valores perpetuamos? Que estilo de vida temos e damos às gerações futuras? O que estão as crianças a aprender connosco? A formação humana ou para o humanismo impõe-se mais do que nunca. A formação académica é uma necessidade. Mas educar ou formar pessoas maduras, capazes de reconstruir o tecido relacional e criar uma humanidade mais fraterna é uma urgência.
O cuidado pela casa comum que o Papa Francisco nos pede, introduz o conceito de ecologia integral, isto é, cuidar da natureza passa por cuidar da pessoa. Sem pessoas cuidadas e conscientes do valor de todas as coisas criadas, não se pode criar uma fraternidade universal, isto é, uma consciência do valor do outro, da sua importância, mesmo que frágil e vulnerável, como nos ensinou a pandemia.
Temos muito para fazer. Só cresceremos na fraternidade se todos a buscarmos em conjunto. O Papa Francisco não se cansa de dizer: “ninguém se salva sozinho”. A propósito desta expressão recordo o que disse Rui Nabeiro: “Não trabalho para mim, trabalho para todos”. E não faltariam outras belas experiências de vida que nos iluminam e nos deixam entusiasmados e crentes na verdadeira humanidade.
Ou seja, apesar de tantas noites escuras no dia a dia da humanidade, há ainda muita pascalidade, há muita vida nova a despontar, a crescer e a ganhar dimensão humanizante. Há ainda muita Luz a acolher.
A Páscoa, que nós cristãos celebramos, outra coisa não é senão o anúncio constante dessa Luz nova sobre a humanidade que, na penumbra da noite, espera confiadamente um tempo novo.
A Páscoa arranca das noites escuras da humanidade a esperança para a oferecer a cada um de nós. Deus não só está em nós como está entre nós, para nos libertar de tudo o que nos oprime e escraviza.
A nossa missão é ousar ouvir e acolher o Espírito Santo para aprender a andar por caminhos ainda nunca andados e continuar a sonhar por um mundo mais justo e fraterno.
Santa e fecunda Páscoa a todos.
Pe. Francisco Carreira (Arcipreste)